Defesa Coletiva e Segunda Independência: direito de todos os países Sul-Americanos
Raciocinar em termos de Defesa Coletiva implica a necessidade de angariarem-se esforços advindos de múltiplas esferas das sociedades pertencentes aos países que se unem, explica Mauro Barbosa Siqueira en su trabajo.
Em nove de março, o Embaixador Celso Luiz Nunes Amorim, Ministro da Defesa do Brasil, proferiu, na Escola de Guerra Naval, uma brilhante palestra á audiência composta pelos alunos (e estagiários) dos quatro Cursos de Altos Estudos Militares. Decerto, o Ministro brindou os Corpos Discente e Docente, por ocasião da abertura oficial dos supracitados cursos, com uma “Aula Magna” excepcional: “A Política de Defesa de um País Pacífico”. Essa exposição oral abarcou conhecimentos que navegaram pela Ciência Política (e Filosofia Política), pelas Relações Internacionais, por Política Externa e, sobretudo, uma palestra focada em Defesa. Finda aquela magnífica apresentação de cultas citações e de raciocínios de elevado gabarito acadêmico, soube-se que o Brasil deve buscar maior integração com a América do Sul e cooperação com a África.
Raciocinar em termos de Defesa Coletiva implica a necessidade de angariarem-se esforços advindos de múltiplas esferas das sociedades pertencentes aos países que se unem. Na América do Sul, exige envolver toda a região, integrando os estamentos militar e civil, sob a égide da confiança mútua e da harmonia. Acadêmicos, políticos, militares e membros do executivo precisam dialogar mais sobre questões tão relevantes nesta área vital ao estado.
Advogar sobre a importância da educação pode ser pleonástico. No entanto, se faz mister citar Samuel Phillips Huntington, cujo livro The Soldier and the State enfatiza, no que tange á troca de ideias e de conhecimentos nas relações civis-militares, a necessidade de convivência harmônica entre esses dois estamentos (o militar e o civil) pertencentes a toda e qualquer forma de estratificação social. Impõe-se enxergar a Educação Militar Profissional com a mentalidade aberta para poder ser plenamente vinculada ao meio acadêmico civil, porque, no modo ocidental de fazer a guerra, sempre houve uma íntima relação entre guerreiros e acadêmicos.
No Brasil, há um exemplo pioneiro, nas esferas da Defesa e Segurança, que se coaduna com o pensamento de Huntington, o qual reputa de suma relevância o intercâmbio civil-militar. Em 2006, iniciou-se, no Brasil, com esforço e dedicação, um intercâmbio entre a Academia (meio acadêmico civil) e as Forças Armadas, por iniciativa do Ministério da Defesa, em parceria com o Ministério da Educação, em virtude do denominado “Projeto Pró-Defesa”, que agrega valor por amalgamar as experiências dos militares ao conhecimento teórico dos acadêmicos. Decerto, que os países sul-americanos poderiam fazer projetos similares e incluir o pessoal das chancelarias.
Acima de tudo, o campo político adquire uma importância incomensurável, haja vista ser o decisor final em questões afetas á Defesa e á Segurança. Além disso, precisa-se contar com parlamentares conhecedores das necessidades de correntes importantes desses dois campos do conhecimento humano. Nas democracias hodiernas, a subordinação do poder militar á esfera política do poder se tornou ponto indiscutível e inegociável. No entanto, ressalte-se a necessidade de se formarem excelentes quadros civis de analistas em Defesa. Se esse mister não se concretizar, em curto prazo, então se pode continuar amador em Defesa e sem o profissionalismo nesse relevante campo (fato percebido em países da Suramérica).
Todos precisam assumir um comprometimento, no processo de construir um sólido arcabouço atinente á Defesa Regional, isento de paixões sectárias e de simpatias partidárias ou ideológicas. Construir um Suramérica-Potência e com papel respeitado no Concerto da Nações requer uma país-membro forte, na área de Defesa, como líder (a priori, a liderança pode ser compartilhada entre os Países Sul-Americanos). Impõe a construção de Forças Armadas com capacidade dissuasória respeitável (muito além de somente ter funções subsidiárias e policiais). Deve-se focar na Projeção Geopolítica do Entorno Sul-Americano, no qual se insere o Brasil, como sustenta Miguel Ángel Barrios, um “Estado Continental Industrial” em potencial.
Ratificam-se, pelo viés de ordenamento jurídico, as dimensões da Defesa e da Segurança, que remontam á necessidade de união entre diversos segmentos sociais (civil e militar) e á cooperação entre os poderes institucionalizados pela declaração final da “Cumbre Presidencial de Unasur”, em 2009, ao firmar o compromisso de “fortalecer a Sulamérica como zona de paz [...]”. Ouve-se, na mídia nacional e internacional, sobre uma possível “Corrida Armamentista” na América do Sul, que é uma área pacífica. Outras notícias questionam acerca de quais seriam as ameaças ao Brasil que justificariam as compras atuais de armamentos. Essas teses esdrúxulas, podem ser desconsideradas por quem possui entendimento técnico em Defesa e Segurança, bem como para os estudiosos que pesquisam nas área de Ciência, de Tecnologia, de Inovação e de Desenvolvimento em materiais bélicos.
De fato, replica a ideia de que, há cerca de uma década, os estudiosos de Defesa e os planejadores estratégicos corroboram a assertiva atinente á farsa da Corrida belicista no Entorno Sul-Americano, visto que não comentam em termos de “inimigos”, tampouco “hipóteses de guerra” como na época da Guerra Fria. Sob o ângulo de um pensamento hodierno, cogita-se a obtenção de capacidades necessárias a enfrentar um contexto de “novas e difusas ameaças” ao estado-nação soberano (e ter flexibilidade para se adaptar a novos contextos, se assim for necessário) e na construção de cenários possíveis ao futuro emprego dos meios de Defesa.
Estudiosos de defesa asseveram que não se cogita mais falar em ameaças concretas (ou se imaginarem as ameaças hipotéticas como o “inimigo interno”). Esse pensamento já perdura por mais de uma década. Há cerca de dez anos, o pensar em Defesa exige que se formulem cenários prospectivos (de longo prazo, estratégicos, operacionais e táticos). Da mesma forma, esses técnicos em Defesa ao redor do mundo argumentam e teorizam sob premissas relativas á aquisição de capacidades (tangíveis e intangíveis) inéditas ás forças armadas do Brasil.
Entre as tangíveis, salientam-se recursos materiais como aeronaves, helicópteros, vasos de guerra, carros de combate, baterias antiaéreas etc.; ainda assim, os recursos humanos sobressaem entre os bens tangíveis. Haja vista de nada adiantar a compra ou a fabricação de equipamentos de alta tecnologia se não há pessoas (muito bem) preparadas (em grau de excelência) para administrar e gerenciar essa plêiade de recursos físicos no “estado da arte”.
Ao passo que, as capacidades intangíveis dizem respeito, exatamente, ao conhecimento gerador de poder e de independência intelectual. Para que isso seja atingido de pleno, a educação (de alta qualidade) se torna “pedra de toque” com relevância incontesti.
Sucintamente, Norberto Bobbio acusa que o poder possui o caráter do dimensionamento, do qual proveem a sua aplicação á realidade de uma sociedade multifacetada e, por conseguinte, se denota a existência de relações de poder entre esses estamentos sociais. Ademais, o poder se perfaz como ideia complexa e pode abarcar muitas significações: de processos naturais até fenômenos político-sociais e de artefatos bélicos coercitivos a recursos humanos. Simplificando, pode ser a capacidade de liderança de um dirigente e o poder do mero discurso dos diplomatas.
Didático e analiticamente, o Poder Nacional pode ser dividido nas Expressões Política, Econômica, Psicossocial, Militar e Científico-Tecnológica, cujos fundamentos estão voltados para o Homem, a Terra e as Instituições, e que, naturalmente, a conquista e a manutenção dos Objetivos ditados pela Política visam á consecução do “Bem Comum” de cada Nação.
Não obstante, a área de Defesa se caracteriza por englobar três importantes esferas de atuação estatal: “o poder político, a diplomacia e o poder militar” na visão de Delano Menezes. Ressalte-se, que o poder político deve ter legitimidade (adquirida pelo consenso). Esse triunvirato do estado está a serviço da população e pode ser complementado pela trindade clausewitziana, que abarca “o povo, o governo e o general e seus exércitos” na ótica clausewitziana.
Em situações reais, ações diplomáticas e estratégicas são usadas de forma coordenada pelo poder político do estado, reforçando-se mutuamente. Neste trabalho, a análise se limita apenas ás ações estratégicas e á esfera da Defesa. Esse fato não significa desconhecer a importância da simultaneidade da aplicação de ações diplomáticas (delas advém a “pausa na guerra” citada no “Da Guerra” de Clausewitz). Porque a guerra é meramente “a continuação da política no intercurso de outros meios”, entre os quais a diplomacia tem alto valor.
A diplomacia brasileira foi sempre pautada na sabedoria do Barão do Rio Branco. De fato, o Brasil foi dilatado pelo sábio “Barão”, em termos geopolíticos e nas dimensões continentais atuais, e poderá ser um global player (já é um ator e líder regional) pela arte de se bem relacionar apreendida com Rio Branco. Contudo, há que ser um relacionamento voltado á tolerância, á cooperação, á confiança mútua e á busca incessante pelo entendimento consensual. Contudo, sem desmerecer o discurso perigoso de escusos interesses externos, pois nisso eu acredito e se pode demonstrar como já validado neste país. Precisa-se entender que, com ferramentas e em instâncias diferenciadas, diplomatas e militares caminham de mãos dadas em prol dos mesmos objetivos nacionais. O diplomata precisa do militar e vice-versa. Saber quem tem atuação mais importante perante o poder político depende do contexto histórico e do timing que o governante possui naquele determinado momento vivido.
No contexto do “Grande Tabuleiro” das relações entre as nações, o exercício do poder pressupõe o jogo de interesses entre as grandes potências mundiais. Aduz, então, a uma relevante indagação: até que ponto os interesses e os mecanismos de defesa de cada Estado envolvido podem ser conflitantes? A resposta simples dos realistas poderia ser meramente: sempre que houver conflito entre dois ou mais grupos sociais, permeados por interesses antagônicos e recursos (de toda ordem: tangível ou intangível) vultosos envolvidos, a intrínseca ânsia por mais poder poderá aflorar (e se poderá escalar a violência no espectro dos conflitos) em termos de crise internacional político-estratégica, conflito armado ou guerra.
Em contrapartida, os idealistas-kantianos (ou os adeptos das assertivas utópicas do Presidente norte-americano Wilson e dos escritos de Norman Angell) poderiam refletir em termos de uma utópica “teoria da paz democrática liberal”. Não houve, ainda, essa configuração no mundo pós-moderno, no qual há tendência a se configurar “unimultipolar”.
Uma análise da conjuntura existente, no Brasil e na América do Sul, que implique a montagem de um cenário provável, em horizonte temporal á frente de 2022, torna-se condizente com a preocupação do atual governo federal em face de uma nova moldura estratégica no entorno Sul-Americano. De fato, essa consternação procede na atual Era da Informação e no “mundo plano” de Thomas Friedman. Ainda, o futuro poderá nos levar a um mundo muito mais plano, graças ás rápidas mudanças globais, regionais e locais. Conservar-se vigilante aos sinais, no volátil contexto vivenciado diariamente, é obrigação e é ajuizado ás lideranças civis e militares.
Sobretudo, os tópicos deste sucinto ensaio versaram sobre Defesa e Segurança. Relacionaram-se, ainda, com plausíveis saídas e alternativas (políticas e estratégicas) para se configurar um quadro geopolítico brasileiro favorável, na América do Sul, á liderança compartilhada na União de Nações Sul-Americanas (UNASUL) e no recente Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS). Em face dos objetivos colimados por essas duas instituições, a Defesa Coletiva poderá se fortalecer. Ademais, poderá se consolidar a atual tendência á situação ideal de mais segurança e real cooperação entre os Estados Sul-Americanos, bem como de desenvolvimento crescente e sustentável para todos os país da América do Sul.
O Ministro Celso Amorim lembrou, no bojo da “Aula Magna”, o pensar hobbesiano, quando Hobbes alertava sobre uma “guerra de todos contra todos”, a qual seria consequência de um fato pitoresco apontado por Hobbes: a Humanidade viveria em um constante belicoso “estado de natureza”. Essa guerra disseminada de Hobbes (na Teoria das Relações Internacionais, encontra-se inserido como fonte inspiradora aos adeptos do Realismo Político), não existe mais segundo o pensamento do Ministro, cujas palavras foram taxativas: “não há mais guerras abertas e guerras generalizadas”. Permito-me discordar em parte. A solução proposta por Hobbes, com intuito de corrigir-se esse belicoso estado natural e elevar-se política e socialmente, perpassa a ideia da implantação (no sentido de criação) do Estado forte (em traduções há o termo República). Se há estados mais fortes e muito realistas e caso haja interesses conflitantes desses com os nossos, então o Leviatã Brasileiro deve ser forte.
Portanto, pensar a Sulamérica do futuro demanda raciocinar analogamente ás ideias hobbesianas (sem olvidar o sonho utópico de Kant). Promover a criação de um CDS forte, em termos de Defesa Coletiva, para prover a necessária segurança aos povos Sul-Americanos e o bem-estar á América do Sul, como um todo unívoco, que hoje se constitui na região mai pacífica do mundo, requer remover querelas fronteiriças do passado e questões menores. Oxalá esta mensagem seja lida, de alguma forma, pelos decisores políticos da UNASUL. Afinal, almeja-se desenvolvimento, soberania, segurança e paz para todos os Sul-Americanos.
Parafraseando o ex-Presidente Lula, que iniciou o discurso de posse, em 2002, formulando a grande prioridade de seu governo: “a construção de uma América do Sul politicamente estável, próspera e unida, com base em ideais democráticos e de justiça social.”. Lula afirmava, na inédita assunção de um metalúrgico ao cargo de mandatário da nação brasileira, acerca de uma primordial uinão sul-americana: “o Mercosul, assim como a integração da América do Sul em seu conjunto, é sobretudo um projeto político”. Cerca de dez anos depois, a UNASUL se perfaz como um projeto exequível e uma realidade palpável.
Então, que todos busquem e perseverem na união de meios e na cooperação de talentos para construir uma SulAmérica melhor: um lugar digno de ser chamado seguro e soberano. Assim deve e pode ser o salutar convívio de todos os países Sul-Americanos e dos que labutam nos âmbitos da Defesa e da Segurança, sejam civis ou militares (da ativa e da reserva). Visar á união sinérgica em prol do bem comum de nossa América do Sul e da “Segunda Independência” dos poderes coloniais e hegemônicos se faz mister em todas as esferas de ingerência. Principalmente, porque pode repousar, na UNASUL e no CDS, o último recurso de emprego da força militar, que poderá ser decisivo entre a vida ou a morte, a escravidão ou a liberdade, a soberania ou a dependência e o jugo injusto e arbitrário de um poder ultramar mais significativo.
Por quê? No Leviatã, Thomas Hobbes responde á pergunta formulada: “E os pactos sem a espada não passam de palavras, sem força para dar a menor segurança a ninguém.”. Unidos, pelos CDS e UNASUL, nós países sul-americanos poderemos ser o que frisou Celso Amorim na magnífica aula: “uma sociedade próspera, justa e solidária, ao abrigo das ameaças externas”. Esses dizeres se coadunam com o pensamento do Professor Barrios, nosso hermano argentino, ao afirmar que a hora para se concretizar se faz presente. Em seu livro Consejo Suramericano de Defensa, Miguel Ángel Barrios sustenta: “la hora de nuestra Segunda Independencia es ahora o nunca”.
Não se pode olvidar da ideia do Doutor Barrios. Deixar passar essa oportunidade para nossa “Segunda Independência” pode ser motivo de arrependimento futuro, haja vista o potencial de perigo que significa deixar os desígnios de nossas nações em mãos alheias. Dessa inépcia de hoje, poder-se-á colher dor, uma nova escravidão e gerações submissas.
*Mauro Barbosa Siqueira - Coronel Aviador – Força Aérea Brasileira; Mestre e Doutorando em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense (UFF) – Niterói – Brasil.
Raciocinar em termos de Defesa Coletiva implica a necessidade de angariarem-se esforços advindos de múltiplas esferas das sociedades pertencentes aos países que se unem. Na América do Sul, exige envolver toda a região, integrando os estamentos militar e civil, sob a égide da confiança mútua e da harmonia. Acadêmicos, políticos, militares e membros do executivo precisam dialogar mais sobre questões tão relevantes nesta área vital ao estado.
Advogar sobre a importância da educação pode ser pleonástico. No entanto, se faz mister citar Samuel Phillips Huntington, cujo livro The Soldier and the State enfatiza, no que tange á troca de ideias e de conhecimentos nas relações civis-militares, a necessidade de convivência harmônica entre esses dois estamentos (o militar e o civil) pertencentes a toda e qualquer forma de estratificação social. Impõe-se enxergar a Educação Militar Profissional com a mentalidade aberta para poder ser plenamente vinculada ao meio acadêmico civil, porque, no modo ocidental de fazer a guerra, sempre houve uma íntima relação entre guerreiros e acadêmicos.
No Brasil, há um exemplo pioneiro, nas esferas da Defesa e Segurança, que se coaduna com o pensamento de Huntington, o qual reputa de suma relevância o intercâmbio civil-militar. Em 2006, iniciou-se, no Brasil, com esforço e dedicação, um intercâmbio entre a Academia (meio acadêmico civil) e as Forças Armadas, por iniciativa do Ministério da Defesa, em parceria com o Ministério da Educação, em virtude do denominado “Projeto Pró-Defesa”, que agrega valor por amalgamar as experiências dos militares ao conhecimento teórico dos acadêmicos. Decerto, que os países sul-americanos poderiam fazer projetos similares e incluir o pessoal das chancelarias.
Acima de tudo, o campo político adquire uma importância incomensurável, haja vista ser o decisor final em questões afetas á Defesa e á Segurança. Além disso, precisa-se contar com parlamentares conhecedores das necessidades de correntes importantes desses dois campos do conhecimento humano. Nas democracias hodiernas, a subordinação do poder militar á esfera política do poder se tornou ponto indiscutível e inegociável. No entanto, ressalte-se a necessidade de se formarem excelentes quadros civis de analistas em Defesa. Se esse mister não se concretizar, em curto prazo, então se pode continuar amador em Defesa e sem o profissionalismo nesse relevante campo (fato percebido em países da Suramérica).
Todos precisam assumir um comprometimento, no processo de construir um sólido arcabouço atinente á Defesa Regional, isento de paixões sectárias e de simpatias partidárias ou ideológicas. Construir um Suramérica-Potência e com papel respeitado no Concerto da Nações requer uma país-membro forte, na área de Defesa, como líder (a priori, a liderança pode ser compartilhada entre os Países Sul-Americanos). Impõe a construção de Forças Armadas com capacidade dissuasória respeitável (muito além de somente ter funções subsidiárias e policiais). Deve-se focar na Projeção Geopolítica do Entorno Sul-Americano, no qual se insere o Brasil, como sustenta Miguel Ángel Barrios, um “Estado Continental Industrial” em potencial.
Ratificam-se, pelo viés de ordenamento jurídico, as dimensões da Defesa e da Segurança, que remontam á necessidade de união entre diversos segmentos sociais (civil e militar) e á cooperação entre os poderes institucionalizados pela declaração final da “Cumbre Presidencial de Unasur”, em 2009, ao firmar o compromisso de “fortalecer a Sulamérica como zona de paz [...]”. Ouve-se, na mídia nacional e internacional, sobre uma possível “Corrida Armamentista” na América do Sul, que é uma área pacífica. Outras notícias questionam acerca de quais seriam as ameaças ao Brasil que justificariam as compras atuais de armamentos. Essas teses esdrúxulas, podem ser desconsideradas por quem possui entendimento técnico em Defesa e Segurança, bem como para os estudiosos que pesquisam nas área de Ciência, de Tecnologia, de Inovação e de Desenvolvimento em materiais bélicos.
De fato, replica a ideia de que, há cerca de uma década, os estudiosos de Defesa e os planejadores estratégicos corroboram a assertiva atinente á farsa da Corrida belicista no Entorno Sul-Americano, visto que não comentam em termos de “inimigos”, tampouco “hipóteses de guerra” como na época da Guerra Fria. Sob o ângulo de um pensamento hodierno, cogita-se a obtenção de capacidades necessárias a enfrentar um contexto de “novas e difusas ameaças” ao estado-nação soberano (e ter flexibilidade para se adaptar a novos contextos, se assim for necessário) e na construção de cenários possíveis ao futuro emprego dos meios de Defesa.
Estudiosos de defesa asseveram que não se cogita mais falar em ameaças concretas (ou se imaginarem as ameaças hipotéticas como o “inimigo interno”). Esse pensamento já perdura por mais de uma década. Há cerca de dez anos, o pensar em Defesa exige que se formulem cenários prospectivos (de longo prazo, estratégicos, operacionais e táticos). Da mesma forma, esses técnicos em Defesa ao redor do mundo argumentam e teorizam sob premissas relativas á aquisição de capacidades (tangíveis e intangíveis) inéditas ás forças armadas do Brasil.
Entre as tangíveis, salientam-se recursos materiais como aeronaves, helicópteros, vasos de guerra, carros de combate, baterias antiaéreas etc.; ainda assim, os recursos humanos sobressaem entre os bens tangíveis. Haja vista de nada adiantar a compra ou a fabricação de equipamentos de alta tecnologia se não há pessoas (muito bem) preparadas (em grau de excelência) para administrar e gerenciar essa plêiade de recursos físicos no “estado da arte”.
Ao passo que, as capacidades intangíveis dizem respeito, exatamente, ao conhecimento gerador de poder e de independência intelectual. Para que isso seja atingido de pleno, a educação (de alta qualidade) se torna “pedra de toque” com relevância incontesti.
Sucintamente, Norberto Bobbio acusa que o poder possui o caráter do dimensionamento, do qual proveem a sua aplicação á realidade de uma sociedade multifacetada e, por conseguinte, se denota a existência de relações de poder entre esses estamentos sociais. Ademais, o poder se perfaz como ideia complexa e pode abarcar muitas significações: de processos naturais até fenômenos político-sociais e de artefatos bélicos coercitivos a recursos humanos. Simplificando, pode ser a capacidade de liderança de um dirigente e o poder do mero discurso dos diplomatas.
Didático e analiticamente, o Poder Nacional pode ser dividido nas Expressões Política, Econômica, Psicossocial, Militar e Científico-Tecnológica, cujos fundamentos estão voltados para o Homem, a Terra e as Instituições, e que, naturalmente, a conquista e a manutenção dos Objetivos ditados pela Política visam á consecução do “Bem Comum” de cada Nação.
Não obstante, a área de Defesa se caracteriza por englobar três importantes esferas de atuação estatal: “o poder político, a diplomacia e o poder militar” na visão de Delano Menezes. Ressalte-se, que o poder político deve ter legitimidade (adquirida pelo consenso). Esse triunvirato do estado está a serviço da população e pode ser complementado pela trindade clausewitziana, que abarca “o povo, o governo e o general e seus exércitos” na ótica clausewitziana.
Em situações reais, ações diplomáticas e estratégicas são usadas de forma coordenada pelo poder político do estado, reforçando-se mutuamente. Neste trabalho, a análise se limita apenas ás ações estratégicas e á esfera da Defesa. Esse fato não significa desconhecer a importância da simultaneidade da aplicação de ações diplomáticas (delas advém a “pausa na guerra” citada no “Da Guerra” de Clausewitz). Porque a guerra é meramente “a continuação da política no intercurso de outros meios”, entre os quais a diplomacia tem alto valor.
A diplomacia brasileira foi sempre pautada na sabedoria do Barão do Rio Branco. De fato, o Brasil foi dilatado pelo sábio “Barão”, em termos geopolíticos e nas dimensões continentais atuais, e poderá ser um global player (já é um ator e líder regional) pela arte de se bem relacionar apreendida com Rio Branco. Contudo, há que ser um relacionamento voltado á tolerância, á cooperação, á confiança mútua e á busca incessante pelo entendimento consensual. Contudo, sem desmerecer o discurso perigoso de escusos interesses externos, pois nisso eu acredito e se pode demonstrar como já validado neste país. Precisa-se entender que, com ferramentas e em instâncias diferenciadas, diplomatas e militares caminham de mãos dadas em prol dos mesmos objetivos nacionais. O diplomata precisa do militar e vice-versa. Saber quem tem atuação mais importante perante o poder político depende do contexto histórico e do timing que o governante possui naquele determinado momento vivido.
No contexto do “Grande Tabuleiro” das relações entre as nações, o exercício do poder pressupõe o jogo de interesses entre as grandes potências mundiais. Aduz, então, a uma relevante indagação: até que ponto os interesses e os mecanismos de defesa de cada Estado envolvido podem ser conflitantes? A resposta simples dos realistas poderia ser meramente: sempre que houver conflito entre dois ou mais grupos sociais, permeados por interesses antagônicos e recursos (de toda ordem: tangível ou intangível) vultosos envolvidos, a intrínseca ânsia por mais poder poderá aflorar (e se poderá escalar a violência no espectro dos conflitos) em termos de crise internacional político-estratégica, conflito armado ou guerra.
Em contrapartida, os idealistas-kantianos (ou os adeptos das assertivas utópicas do Presidente norte-americano Wilson e dos escritos de Norman Angell) poderiam refletir em termos de uma utópica “teoria da paz democrática liberal”. Não houve, ainda, essa configuração no mundo pós-moderno, no qual há tendência a se configurar “unimultipolar”.
Uma análise da conjuntura existente, no Brasil e na América do Sul, que implique a montagem de um cenário provável, em horizonte temporal á frente de 2022, torna-se condizente com a preocupação do atual governo federal em face de uma nova moldura estratégica no entorno Sul-Americano. De fato, essa consternação procede na atual Era da Informação e no “mundo plano” de Thomas Friedman. Ainda, o futuro poderá nos levar a um mundo muito mais plano, graças ás rápidas mudanças globais, regionais e locais. Conservar-se vigilante aos sinais, no volátil contexto vivenciado diariamente, é obrigação e é ajuizado ás lideranças civis e militares.
Sobretudo, os tópicos deste sucinto ensaio versaram sobre Defesa e Segurança. Relacionaram-se, ainda, com plausíveis saídas e alternativas (políticas e estratégicas) para se configurar um quadro geopolítico brasileiro favorável, na América do Sul, á liderança compartilhada na União de Nações Sul-Americanas (UNASUL) e no recente Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS). Em face dos objetivos colimados por essas duas instituições, a Defesa Coletiva poderá se fortalecer. Ademais, poderá se consolidar a atual tendência á situação ideal de mais segurança e real cooperação entre os Estados Sul-Americanos, bem como de desenvolvimento crescente e sustentável para todos os país da América do Sul.
O Ministro Celso Amorim lembrou, no bojo da “Aula Magna”, o pensar hobbesiano, quando Hobbes alertava sobre uma “guerra de todos contra todos”, a qual seria consequência de um fato pitoresco apontado por Hobbes: a Humanidade viveria em um constante belicoso “estado de natureza”. Essa guerra disseminada de Hobbes (na Teoria das Relações Internacionais, encontra-se inserido como fonte inspiradora aos adeptos do Realismo Político), não existe mais segundo o pensamento do Ministro, cujas palavras foram taxativas: “não há mais guerras abertas e guerras generalizadas”. Permito-me discordar em parte. A solução proposta por Hobbes, com intuito de corrigir-se esse belicoso estado natural e elevar-se política e socialmente, perpassa a ideia da implantação (no sentido de criação) do Estado forte (em traduções há o termo República). Se há estados mais fortes e muito realistas e caso haja interesses conflitantes desses com os nossos, então o Leviatã Brasileiro deve ser forte.
Portanto, pensar a Sulamérica do futuro demanda raciocinar analogamente ás ideias hobbesianas (sem olvidar o sonho utópico de Kant). Promover a criação de um CDS forte, em termos de Defesa Coletiva, para prover a necessária segurança aos povos Sul-Americanos e o bem-estar á América do Sul, como um todo unívoco, que hoje se constitui na região mai pacífica do mundo, requer remover querelas fronteiriças do passado e questões menores. Oxalá esta mensagem seja lida, de alguma forma, pelos decisores políticos da UNASUL. Afinal, almeja-se desenvolvimento, soberania, segurança e paz para todos os Sul-Americanos.
Parafraseando o ex-Presidente Lula, que iniciou o discurso de posse, em 2002, formulando a grande prioridade de seu governo: “a construção de uma América do Sul politicamente estável, próspera e unida, com base em ideais democráticos e de justiça social.”. Lula afirmava, na inédita assunção de um metalúrgico ao cargo de mandatário da nação brasileira, acerca de uma primordial uinão sul-americana: “o Mercosul, assim como a integração da América do Sul em seu conjunto, é sobretudo um projeto político”. Cerca de dez anos depois, a UNASUL se perfaz como um projeto exequível e uma realidade palpável.
Então, que todos busquem e perseverem na união de meios e na cooperação de talentos para construir uma SulAmérica melhor: um lugar digno de ser chamado seguro e soberano. Assim deve e pode ser o salutar convívio de todos os países Sul-Americanos e dos que labutam nos âmbitos da Defesa e da Segurança, sejam civis ou militares (da ativa e da reserva). Visar á união sinérgica em prol do bem comum de nossa América do Sul e da “Segunda Independência” dos poderes coloniais e hegemônicos se faz mister em todas as esferas de ingerência. Principalmente, porque pode repousar, na UNASUL e no CDS, o último recurso de emprego da força militar, que poderá ser decisivo entre a vida ou a morte, a escravidão ou a liberdade, a soberania ou a dependência e o jugo injusto e arbitrário de um poder ultramar mais significativo.
Por quê? No Leviatã, Thomas Hobbes responde á pergunta formulada: “E os pactos sem a espada não passam de palavras, sem força para dar a menor segurança a ninguém.”. Unidos, pelos CDS e UNASUL, nós países sul-americanos poderemos ser o que frisou Celso Amorim na magnífica aula: “uma sociedade próspera, justa e solidária, ao abrigo das ameaças externas”. Esses dizeres se coadunam com o pensamento do Professor Barrios, nosso hermano argentino, ao afirmar que a hora para se concretizar se faz presente. Em seu livro Consejo Suramericano de Defensa, Miguel Ángel Barrios sustenta: “la hora de nuestra Segunda Independencia es ahora o nunca”.
Não se pode olvidar da ideia do Doutor Barrios. Deixar passar essa oportunidade para nossa “Segunda Independência” pode ser motivo de arrependimento futuro, haja vista o potencial de perigo que significa deixar os desígnios de nossas nações em mãos alheias. Dessa inépcia de hoje, poder-se-á colher dor, uma nova escravidão e gerações submissas.
*Mauro Barbosa Siqueira - Coronel Aviador – Força Aérea Brasileira; Mestre e Doutorando em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense (UFF) – Niterói – Brasil.
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