El Sistema Interamericano pos Cancún 2010

Los resultados del XXI encuentro del Grupo de Rio, desarrollado junto a la II Cúpula América Latina-Caribe, en Cancún en el mes de febrero, arrojaron algunos interrogantes, propone el profesor Thiago Gehre* en la nota que editamos en su idioma original. ¿Brasil estaría buscando redefinir su horizonte regional, ante posibles obstáculos a los proyectos sudamericanista o de potencia emergente? ¿Existe un modelo confrontacionista en el sistema americano, entre países latinoamericanos y Estados Unidos? ¿Cuál es el papel de Brasil en la reorganización del sistema interamericano?


O Sistema Interamericano após Cancun 2010*

Entre 21 e 23 de fevereiro de 2010 ocorreu na cidade de Cancun, México, o vigésimo primeiro encontro do Grupo do Rio juntamente com a II Cúpula América Latina-Caribe. Os resultados dessa cúpula suscitam alguns questionamentos: o Brasil estaria buscando redefinir seu horizonte regional, perante possíveis obstáculos aos projetos sul-americanista e de potência emergente? Existe um modelo confrontacionista no sistema americano, entre países latino-americanos e Estados Unidos? Qual o papel do Brasil na reorganização do sistema interamericano? Assim, este artigo objetiva discutir criticamente os rumos da reorganização do sistema interamericano fazendo uma breve leitura histórica e analisando a atuação brasileira nesse processo.

O sistema interamericano foi constituído após a 2ª Guerra Mundial sobre três pilares: um político, representado pela Organizado dos Estados Americanos (OEA); um militar, definido pelo Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR); e um hegemônico, dos Estados Unidos da América como potência estabilizadora da região. A ausência de um pilar econômico incentivou os países latino-americanos a aproveitarem as brechas existentes na ordem bipolar da Guerra Fria e na incidência hegemônica norte-americana e a se lançarem em experiências relativamente autônomas como ALADI, MERCOSUL e UNASUL.

Uma dessas experiências surgiu em 1986, na cidade do Rio de Janeiro, como um mecanismo permanente de consulta e concertação política, denominada de Grupo do Rio. O arranjo integrava os países andinos e o México ao diálogo político já existente no Cone Sul. O G-Rio vem se posicionado sobre importantes assuntos internacionais, como a paz no mundo e o terrorismo internacional, e questões sensíveis da região, como a instabilidade política e econômica no Haiti e na Bolívia ou a contenda argentino-britânica das Malvinas.

A partir dos anos 1990, ao mesmo tempo em que o Brasil buscou jogar em diferentes tabuleiros diplomáticos, o Itamaraty definiu a sulamericanidade como elemento identitário da política exterior do país. A América do Sul tornou-se a plataforma preferencial para a inserção internacional do país, em detrimento da América Latina ou do Cone Sul, ao mesmo tempo em que se converteu em projeto brasileiro através da institucionalização do multilateralismo regional com a criação da União Sul-Americana de Nações, UNASUL.

O alcance regional se expandiu e atingiu o Caribe no primeiro encontro de Cúpula América Latina-Caribe em dezembro de 2008, na Costa do Sauípe, o que viabilizou um canal diplomático para adoção de posições comuns em questões regionais e internacionais. O evento coincidiu com a crise econômica que abalava o mundo e significou a convergência de modelos de integração e desenvolvimento nacionais. Além disso, representou a reconciliação da região com Cuba, excluída do sistema interamericano desde 1962.

A América do Sul ganha força a ponto de começar a atrair a América Central e Caribe para sua área de influência. Em 2010, a Cumbre de la Unidad de América Latina y del Caribe tratou de quatro temas principais: nova institucionalidade, desafios e oportunidades em um contexto econômico incerto, integração regional e Haiti. A Cúpula centrou seus esforços na discussão da convergência dos processos da CALC e do Grupo do Rio, a fim de maximizar a atuação concertada em tempos de crises e projetar globalmente a região. A nova instituição, a princípio, pareceu iniciativa mexicana que, vendo sua economia encolher 6,5% em 2009 por conta do atrelamento à economia estadunidense, necessitaria ampliar seu horizonte internacional. Depois, ecoou os discursos estridentes de Chávez, Correa, Morales e Castro, que resignificam a iniciativa à sua moda de afronta regional à presença imperialista dos EUA. Já o apoio brasileiro foi interpretado como uma revisão da sua estratégia regional e um escape à falta de avanços concretos na política regional brasileira. Críticos apressaram-se em apontar os sinais de um exercício de megalomania diplomática, alimentado pelo status de celebridade internacional alcançado por Lula.

Por um lado, o Presidente Lula, em fim de mandato, não poderia apagar as luzes da sua política regional contradizendo seus vizinhos. Por outro, sabe que do discurso à prática o caminho é longo. Quando a nova instituição for criada, se conseguir cumprir o prazo estabelecido em Cancun, Lula não estará mais em cena, cabendo a seu sucessor tratar das implicações da nova iniciativa regional.

Logo, o grau de generalização e o consequente tempo de maturação do projeto reafirmam que o projeto prioritário brasileiro para a integração continua sendo a UNASUL. Tanto que, o apoio brasileiro, embora tenha ocorrido, não foi efusivo. Ademais, a nova instituição, embora não assuma prioridade para o Brasil, também não a contraria. Trata-se de construir alternativas institucionais que deem voz aos emergentes. Nesse sentido, Lula negou a oposição aos EUA e mostrou a maturidade brasileira, revelando que novas frentes não significam o encerramento de relacionamentos tradicionais. Segundo o presidente, "ninguém é ingênuo para criar ruptura com os EUA ou União Europeia [...] queremos manter esta boa relação [e] ainda ter um espaço de discussão [...] construindo uma nova realidade para nós".

Alguns objetivos parecem alcançáveis, como o aprofundamento do trabalho em temas comuns (meio ambiente e desenvolvimento econômico) e a coordenação em alto nível do esforço integracionista, que passa a ocorrer num espectro mais abrangente de melhoria da qualidade de vida dos povos da região. Como consequência, promove-se a institucionalização de uma nova estrutura internacional, mais ampla e democrática, bem como a promoção de um ambiente de fraternidade regional com a composição de uma “familia de los presidentes de América Latina y el Caribe”.

Não obstante, é possível apontar alguns problemas vinculados à nova iniciativa. Pairam dúvidas sobre a definição de passos concretos para aprofundar a integração da região. Em seguida, questiona-se a proliferação de mecanismos e fóruns regionais de integração e a dificuldade natural de estabelecer canais de comunicação e convergência entre eles, assim como a sobreposição de funções. Destarte, não ficou claro se essa "convergência" implicaria no desaparecimento de cúpulas e mecanismos de integração que tenham objetivos similares. Por último, a exclusão dos EUA e do Canadá criam uma susceptibildiade político-diplomática que precisa ser administrada para não ter consequencias, sobretudo no campo econômico.

Enfim, a posição brasileira, de tolerância com os excessos dos vizinhos, mantém esses países próximos ao Brasil, sem amarrá-lo aos seus destinos. É a continuidade de um processo de afirmação da região como um bloco no sistema internacional multipolar, e não mais como sub-região submissa. Por exemplo, projetar um bloco alternativo à OEA, não significa a extinção da mesma nem a ilusão da autonomia plena com relação aos EUA. Mais do que ruptura ou afronta, trata-se de amadurecimento da região, de reforço do seu poder de barganha, para que os laços com outros países não a sufoquem, mas tampouco se rompam. Em suma, o novo sistema interamericano em gestão é, sem dúvida, mais brasileiro e latino-americano!


* Thiago Gehre é professor de Relações Internacionais da Universidade Federal de Roraima; Leandro Couto é Analista de Planejamento e Orçamento do Ministério do Planejamento e Professor de Relações Internacionais do Instituto de Educação Superior de Brasília - IESB

Thiago Gehre