Mercosul: uma cúpula espinhosa em San Juan?
Además de los temas de agenda de la reunión del próximo 15 de julio, la cumbre deberá expedirse sobre el tema de la composición del Parlamento del Mercosur, señala Clarissa Dri en su nota, reproducida en idioma original.
No próximo dia 15 de julho acontecerá a reunião semestral de presidentes do Mercosul em San Juan. Na agenda, já estão incluídos tópicos como a aprovação do Código Aduaneiro, a eliminação da dupla cobrança da tarifa externa comum e um acordo de preferências comerciais com o Egito. Mas há outro tema que deve ocupar a atenção dos presidentes: a composição do Parlamento do Mercosul (Parlasul). Esse órgão foi criado em 2005 e iniciou as atividades em 2006. Reúne-se uma vez por mês em Montevidéu e por enquanto é formado por parlamentares indicados pelos congressos nacionais – dezoito de cada país.
Só que o Protocolo Constitutivo do Parlamento do Mercosul estipula que a assembléia deve ser composta por deputados eleitos diretamente, que devem dedicar-se exclusivamente ao cargo. Diz ainda que o número de deputados eleitos em cada país deve ser proporcional à respectiva população. Por enquanto, só o Paraguai realizou as eleições, em 2008. Os demais Estados aguardam a definição da proporcionalidade para determinar o número de representantes que deve eleger, e assim mudar sua legislação eleitoral de forma correspondente. No Brasil já tramita um projeto de lei regulando as eleições regionais, que deveriam acontecer esse ano, mas a discussão foi postergada justamente pela dificuldade em se chegar a um acordo sobre a representação proporcional no Parlasul.
Os menores países do bloco, Paraguai e Uruguai, opunham-se à representação proporcional por razões óbvias: terão menos legisladores que Argentina e Brasil. Mas um parlamento é, por definição, representativo e, portanto, proporcional. Não se pode falar em uma câmara representativa dos cidadãos que não tenha uma composição proporcional às regiões representadas. Se tiver delegações nacionais de mesmo número, o Parlasul corre o risco de repetir, impotente, a atuação dos governos nas negociações no Mercosul. Para se diferenciar, o Parlamento precisa representar interesses sociais e produtivos e organizar-se de acordo com as forças políticas existentes. O Uruguai já entendeu a importância do assunto e o Paraguai finalmente aceitou um acordo de “proporcionalidade atenuada” em 2009, pelo qual o Brasil elegerá 75 deputados, a Argentina 43 e o Uruguai e o Paraguai 18 deputados cada.
Só que esse acordo, firmado pelos parlamentares, deve ser aprovado pelos presidentes dos Estados membros do Mercosul para ter validade. Para complicar, os parlamentares (por exigência da delegação paraguaia) incluíram no mesmo acordo a criação de um tribunal de justiça supranacional no bloco, que teria competência superior às cortes nacionais para dirimir conflitos e aplicar o direito do Mercosul. A decisão está pendente há mais de um ano, sobretudo pela falta de consenso no bloco quanto ao aumento das competências judiciais. A questão que segue em aberto é se os presidentes vão aprovar todos os termos do acordo ou se vão continuar preterindo essa decisão central para a democratização da integração regional. Uma terceira opção seria uma manobra político-jurídica para a aprovação parcial do acordo, validando a proporcionalidade do Parlamento sem criar o tribunal de justiça.
Recentemente, um novo elemento se uniu a esse já complexo quebra-cabeça. A delegação argentina apresentou, por sugestão da chancelaria, uma proposta no Parlasul pela qual as maiorias necessárias para aprovação das decisões ficariam condicionadas a uma maioria em cada delegação. Atualmente, o sistema de maiorias previsto pelo Regulamento Interno permite que certas decisões sejam tomadas sem levar em consideração os votos de cada país, mas sim o número total de parlamentares na assembléia. Essa proposta vem sendo interpretada como uma possível restrição da vocação regional do Parlamento, visto que o caráter nacional continuaria a ser privilegiado. Os deputados que criticam a proposta entendem que a consolidação do Parlamento passa justamente pela superação dos nacionalismos e pela construção de debates políticos ancorados em convergências ideológicas que agreguem representantes de vários países.
Enfim, a perspectiva é de uma difícil busca de acordo na Cúpula com relação à proporcionalidade do Parlamento. Argentina e Brasil não são favoráveis à corte de justiça. O Paraguai sempre se opôs à proporcionalidade no Parlamento e não deve fazer muitos esforços para que ela seja aplicada. Além disso, a Argentina deve condicionar a aprovação do acordo à aprovação do novo sistema de maiorias, ao qual Brasil e Uruguai se opõem. Para completar, em julho as atenções brasileiras já estarão voltadas às eleições presidenciais de outubro, o que pode provocar um relativo esvaziamento dos tópicos principais da reunião. O certo é que a consolidação do Parlasul, com um claro critério de representação cidadã, é indispensável para a concretização dos objetivos do Mercosul. Em nome da continuidade do projeto de integração regional, espera-se que esse debate esquente os ânimos no Mercosul nesse inverno em San Juan.
* Clarissa Dri é mestre em Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina, em Florianópolis, e pesquisadora do Instituto de Estudos Políticos da Universidade de Bordeaux. Contato: clarissadri@yahoo.com.br