Os países emergentes. Que nova geopolítica é possível?

Os países emergentes criaram uma nova situação de partilha ampliada das fontes do poder económico. São, para os em desenvolvimento, uma fonte potencial formidável de capitais, tecnologias e mercados, suscetível de alterar radicalmente as condições de crescimento e de especialização destes países. Porém, os investimentos diretamente produtivos dos países emergentes nos em desenvolvimento continuam modestos fora do setor de recursos naturais.


O sucesso econômico e social dos países emergentes cria naturalmente novas tensões e novos desafios local, regional e internacio¬nalmente. As novas perspectivas encontrarão, certa e progressivamente, novas soluções locais e internacionais, em favor de uma nova geopolítica, multipolar e equilibrada, necessária para a paz social interna e mundial.


As diversas tensões com os países mais ricos

Os Estados Unidos, que deixaram sua economia se financiarizar e se desindustrializar, apresentam dificuldades para conter a invasão chinesa ou o dinamismo de outros países emergentes e veem os seus déficits se agravarem.

A disputa comercial incessante entre os Estados Unidos e a China particularmente sempre mobilizarão a OMC, um tribunal de resolução de conflitos submetido à certa relação de forças. A recente entrada da Rússia enriquecerá o debate.

Por quanto tempo ainda a poupança chinesa, isto é, a contração do consumo interno, continuará a financiar os déficits americanos a bons preços, conhecendo-se a política monetária americana?

A incerteza monetária força os países superavitários a fugirem da armadilha de investimentos financeiros, a diversificarem os seus ativos e a adquirirem ativos reais, em princípio, mais seguros e rentáveis.

As empresas dos países emergentes e os seus fundos soberanos se internacionalizam e procuram mercados em crescimento para suas mercadorias e seus capitais. Porém, no sentido inverso, essas nações são pressionadas a proceder e a acelerar a abertura de suas economias, em nome da reciprocidade.

De Ancara à Brasília, a política monetária americana é acusada de pressionar a taxa de câmbio de certos países e de lhes reduzir a competitividade.

Em um momento de renascimento das tensões militares, particularmente na Ásia, os países emergentes, especialmente a China e a Índia, não devem esquecer que foi a corrida armamentista que depauperou as finanças e a energia soviéticas, acentuou a instabilidade social perante a escassez de bens de consumo e levou em definitivo ao desmantelamento do império. Os Estados Unidos conhecem bem a arte e a maneira de empobrecer de seus adversários nessa corrida.


Preocupações com os países moderadamente ricos

O baixo crescimento da Europa e a incerteza sobre o futuro do euro preocupam os países emergentes. Nunca é bom ver um cliente importante e um mercado atrativo para os investimentos e as aplicações financeiras em situação econômica difícil.

A nova geografia econômica mundial, desenhada amplamente pelos países emergentes, mergulhou na crise a indústria de grande parte da Europa, especialmente o sul do continente, incapaz de evoluir suficientemente os seus custos, produtos e serviços, para fazer frente à nova globalização. A Europa mais dinâmica, ao norte, liderada pela Alemanha, saiu-se bem ao adaptar seus produtos e serviços à nova demanda mundial. Como dinheiro chama dinheiro, é esta nação que atrai a maior parte dos investimentos diretos provenientes da China e de outros países. No entanto, a questão central no momento se refere à capacidade da Europa latina de sair dessa fase ruim. Isso não será fácil, uma vez que a resistência à mudança é muito forte.

As turbulências que afetam o euro levaram a uma cautela maior na gestão das reservas cambiais dos países emergentes, aumentaram a demanda por ouro e reforçaram a compra de ativos reais, que encontram, no entanto, barreiras à entrada nos países mais liberais. Quando uma empresa chinesa compra 2% de uma petrolífera ocidental, a imprensa gera acusações de monopólio e tenta mobilizar a opinião pública.

No continente africano, tradicional zona de influência dos europeus, a visibilidade crescente dos países emergentes incomoda os poderes coloniais de ontem e os seus aliados de hoje. Contudo, os meios econômicos e tecnológicos de cada um acabarão por fazer a diferença. A Europa definhante terá dificuldade em atender aos ansejos dos jovens africanos, os quais ela já afasta de seu território.


Pequenas dificuldades entre os países emergentes

Devido a seu dinamismo, a concorrência comercial entre os países emergentes se intensifica não só em seus próprios mercados nacionais, mas também em mercados de terceiros países. As vozes se elevam na América Latina para contestar a invasão asiática nos mercados locais e na corrida global por recursos naturais, principalmente agrícolas e minerais. No entanto, esses conflitos ainda não produziram litígios formais importantes.

As parcerias de investimentos, as joint venture, entre empresas originárias de países emergentes são insuficientes, uma vez que as oportunidades de investimento em mercados promissores em qualquer parte, especialmente nos países em desenvolvimento, demandam a complementariedade entre os capitais, as tecnologias e o know-how de cada um.

A formação do Brics, que reúne regularmente cinco países emergentes, busca fortalecer a cooperação econômica entre eles, além de facilitar a prevenção e a solução de conflitos. Porém, ainda é muito cedo para julgar. Por enquanto, poucas iniciativas importantes surgiram ou foram concluídas.


Agenda urgente com outros países em desenvolvimento

Os países em desenvolvimento veem o sucesso dos emergentes como uma oportunidade e um perigo. As nações em desenvolvimento acumulam grandes déficits comerciais ou pagamentos correntes com os países da Ásia, particularmente a China e a Índia. Esses déficits, financiados pelo endividamento ou pela ajuda pública, são importantes em comparação com o montante dos investimentos dos emergentes nessas regiões.

O crescimento da participação dos países emergentes nas importações dos em desenvolvimento explica-se muitas vezes pelo aumento da despesa pública em infraestrutura, que faz afluir para estes locais inúmeras empresas chinesas, brasileiras, coreanas e turcas de construção e de instalação de todos os tipos de infraestrutura ou de exploração de recursos naturais. Naturalmente, para realizar seus tra-balhos e explorar os recursos, essas empresas se utilizam de fornecedores de suas próprias regiões.

Antigas questões, como a evolução dos termos de troca, a ajuda pública ao desenvolvimento, o código de boa conduta das multinacionais, a dialética entre o comércio e a ajuda, são consideradas em novos termos, uma vez que elas colocam cada vez mais de frente os países em desenvolvimento e os emergentes, anteriormente subdesenvolvidos. As centenas de milhares de chineses que trabalham na África são vistos, bem ou mal, como ladrões de pães pelos desempregados africanos. A questão do valor agregado local e dos efeitos da condução da exploração dos recursos naturais é agora levantada.

Os países emergentes são, no entanto, para os em desenvolvimento, uma fonte potencial formidável de capitais, tecnologias e mercados, suscetível de alterar radicalmente as condições de crescimento e de especialização destes países. Porém, os investimentos diretamente produtivos dos países emergentes nos em desenvolvimento continuam modestos fora do setor de recursos naturais, por razões pelas quais os emergentes não são os únicos responsáveis. É essa anomalia que deve ser corrigida o mais breve possível, criando-se um fluxo de investimento direto dos países emergentes em direção aos em desenvolvimento, de maneira a melhorar a qualidade do crescimento nessas regiões. O que poderia ser mais natural do que ver a poupança mais abundante do mundo, aquela que nasce nos países emergentes, ir em direção aos países cuja juventude, com maior nível de escolarização e aberta a novas tecnologias, espera impacientemente por empregos? As instituições internacionais, que se dizem particularmente preocupadas com a qualidade do crescimento na África e que duvidam de seu futuro caso os recursos naturais venham a se esgotar, devem trabalhar nesse sentido.

A qualidade de antigos países em desenvolvimento gera, para os emergentes, obrigações materiais e morais, periodicamente relembradas pelos outras nações em desenvolvimento. Qualquer tentação de predação lhes será reprovada com maior veemência.


Desafios no interior dos próprios países emergentes

As recentes revoltas dramáticas de menores na África do Sul relembraram a urgência da reparação social em muitos países emergentes. A população exige uma distribuição mais equitativa dos frutos do rápido crescimento. Este último, especialmente quando é durável, levanta aspirações econômicas e políticas de um grande número de indivíduos, e um novo contrato social deve ser negociado. O filho único da família chinesa não aceita o destino vivenciado por seus pais, e o menor africano não quer mais viver à sombra do apartheid.

Em muitos países emergentes, as infraestruturas sofrem sob o peso de um crescimento rápido e exigem soluções inovadoras em matéria de financiamento e de gestão de projetos estruturais, especialmente nos países com poupanças internas relativamente baixas.

As populações recém-integradas na corrida econômica contestam também uma escassez crescente de recursos naturais de qualidade, como água, ar e espaço. Ocasionalmente, denunciam perante a justiça a gestão, muitas vezes predatória, dos recursos naturais escassos.

Finalmente, nos países onde o autoritarismo político era a regra, a abertura política se impõe progressivamente e consittui mesmo uma condição da continuação do crescimento pela inovação e pela motivação.


Que nova geopolítica é possível e quais são os novos mecanismos de prevenção e solução de conflitos?


Celso Furtado enumera, como se segue, as fontes do poder econômico: posse de recursos naturais abundantes; grandes mercados internos; domínio de tecnologias; controle de moedas fortes; e Forças Armadas respeitáveis. Essas fontes do poder econômico são redistribuídas permanentemente ao longo da história. Primeiramente as Províncias Unidas, em seguida a Inglaterra e depois os Estados Unidos tiveram sucessivamente, em suas mãos, o essencial do poder econômico mundial, e o exerceram de maneira dominante, frequentemente com violência.

Os países emergentes criaram uma nova situação de partilha ampliada das fontes do poder econômico. A redução da pobreza, o fortalecimento das classes médias no plano internacional, a redistribuição mundial de conhecimentos e tecnologias, o poder aquisitivo mais bem distribuído e um mundo mais multipolar são objetos de satisfação decorrentes da emergência de certo número de países. Contudo, ao mesmo tempo, a busca pela democracia, o temor de novas dominações e a nova corrida armamentista alteram a satisfação sentida por todos.

A situação requer ajustes políticos e institucionais internos e internacionais progressivos. Não os aceitar, ou mesmo não os preparar, é virar as costas para a história.




*Abdellatif Benachenhou, exerceu o cargo de Ministro das Finanças do país por dois turnos, de 1999 a 2001 e de 2003 a 2005, além de ter sido Conselheiro Econômico do Presidente da República de 2001 a 2003. Com atividade acadêmica destacada, o professor Benachenhou é autor de inúmeras obras centradas no estudo de temas relacionados ao desenvolvimento econômico e social na Argélia, no entorno mediterrâneo e nos países em desenvolvimento em geral. Livro “Les pays émergents”, Fundación Alexandre de Gusmão, Ministerio de Relaciones Exteriores Brasil .Capitulo Os países emergentes em 2012?. Na obra, o autor traz informações sobre China, Índia, Brasil, Turquia, Coreia do Sul, África do Sul, Malásia, Chile, Indonésia, México e Rússia.
Abdellatif Benachenhou